quarta-feira, 26 de março de 2008

Por um triz

Por que não me disse que seria assim
Com este fim
Não me deu a chance de escolher
se eu queria sofrer
Eu estava feliz sozinha
Bem na minha
Não sei porque você assim o quis
meu destino por um triz
Voltar o passado é o meu desejo
sem a existência daquele beijo

Sem ofensas

Poucos móveis, uma cama, um armário, uma mesa e um sofá. Roupas amontoadas sobre os poucos móveis. Livros, discos e CDs. Muitos espalhados aqui e ali. Gostava de fotografar. Algumas de suas fotos, as preferidas, preenchiam as paredes, protegidas por fino vidro e moldura barata. Pedro prepara-se para fumar o seu cigarro da noite: o único do dia. Há três meses decidiu parar de fumar, após recomendações médicas e algumas... Estava ficando com uma certa falta de potência. Foi obrigado a ouvir seu médico contar-lhe sobre pênis e artérias. Fumaça e artérias. Entupimentos, dilatação e artérias. Dificuldade de ereção e artérias. Agora fumava apenas um cigarro por dia. Sempre a noite. Desligava o telefone. Levantava o braço da vitrola. Tirava o disco da vitrola. Certificava-se que nenhum barulho soava de seu apartamento. Até as torneiras eram verificadas. Silêncio total. Respirava fundo. Pegava o maço de cigarro. Sacava o cigarro da noite. Esvaziava a cabeça do dia. Tinha de prestar sua atenção única e exclusivamente ao cigarro. Seu vício, ao qual dizia adeus aos poucos e sem querer. Fumava desde os quinze anos, quando aquela garota moderninha lhe apresentou o cigarro e depois o sexo. Desde então o cigarro o acompanhou. Mesmo quando estava sem uma companhia, acendia um cigarro e minutos depois alguém aparecia pedindo fogo. Sorte quando era uma gata, azar quando a moça era mais feia que um cão chupando manga. Se ficasse então forçando amizade, era melhor apagar o cigarro do que engatar uma conversa cansativa. Papo de mulher feia e carente era chato demais. Havia sempre algo desinteressante a ser dito. Já as gatas... Achava nada mais sensual do que uma bela mulher com o cigarro na mão. Feia não. Era obrigado a precipitar o fim de seu cigarro. Pedro estava na janela de seu pequeno apartamento de escritor. Cigarro em riste, isqueiro na outra mão. Leva o cigarro a boca. Prepara-se para girar a roldana. Quase vê a fagulha. Acende o cigarro. O primeiro trago. Sorvia a fumaça lentamente. Minutos únicos do dia. Trimmmmm, a sua barulhenta campainha e a queda de seu cigarro ao chão. Lamenta. Teria de sair para comprar outro, pois este era o último do maço. Trimmmmmmmm, a sua campainha horrível. "Um dia ainda troco esta campainha e nem vou pedir desconto no aluguel". Pega o cigarro no chão. Dois passos. Joga o cigarro na lixeira sob a mesa e coloca o isqueiro sobre a mesa. Seis passos. Olha através do olho mágico. Resmungado, entreabre a porta. "Isabela...". Permanece segurando porta. "Não vai me convidar para entrar". "Estava pensando em não convidar". "Não seja grosso!". Isabela empurra porta, Pedro e entra. Pedro fecha a porta. "Eu grosso? Este aqui é o lugar onde eu moro e não tenho que receber a quem eu não convidei". "Para Pedro! Eu vim aqui conversar numa boa". "Isabela, ultimamente você nunca conversa numa boa. Mas tudo bem. Algum motivo você deve ter tido para vir até aqui. Afinal foi você mesma que saiu dizendo que eu era o pior dos homens. O mais ordinário". "Falei de cabeça cheia". "Diga logo, o que você quer de um homem ordinário". "Te devo desculpas". "Sei, e?". "E eu queria que nós ficássemos numa boa". "Não vai dar! Não foi você que enviou torpedos dizendo que estava com outro cara e se divertindo". "Era mentira, não estava com ninguém. Apenas saí, bebi demais e fiz besteira". "Ok. Veio dizer apenas isso?". Pedro se levantou e foi procurar o casaco sobre a mesa. "Eu sei que banquei a idiota. Mas eu te amo". "Tarde demais para você saber disso. Se não se importa, eu preciso sair agora". "Eu sei que você não quer falar comigo. Não atende os meus telefonemas. Eu preciso você". "Isabela, você me ofendeu". "Eu sei que você deve estar chateado comigo". "Você me chamou de broxa! Sabe o que significa isto para um homem? Não me importa se você bebeu ou não. O que você pensa ou deixa de pensar. O que você sente ou deixa de sentir. O fato é que você me ofendeu". Pedro acha o casaco. "Bata a porta quando sair".

quarta-feira, 12 de março de 2008

Como salvar uma vida

Ah... Que preguiça de me levantar da cama. Eu tenho mesmo de levantar? Cinqüenta anos. Enfim chegaram. E como pesam. A coluna sente bem isso. Tenho de me levantar com cuidado. Um movimento errado e o hospital será o lugar mais desejado por mim para passar o aniversário. Dor física é ruim, e esta idade do condor não coopera. Que nada! Pior mesmo é sentir o peso e o vazio. Lembro que aos vinte e dois anos eu me perguntei se eu preferia a vida tranqüila e segura ou cheia de aventuras e incertezas. Optei pela primeira opção. Entre o trabalho que adoraria e não pagava bem e o trabalho bem pago que eu detesto, escolhi o que eu detesto. E detesto até hoje. Se eu tivesse optado pela segunda? Como eu estaria agora? Talvez, à esta hora, não tivesse uma esposa na cozinha preparando um bolo surpresa, que já não é surpresa para ninguém. É a mesma coisa todo ano. Um bolo de chocolate que já não é o meu predileto. Velinhas que apagam e acendem. Chatérrimas! Só mudam os genros e noras. São quatro. Dois filhos e duas filhas. Esta é a parte mais fácil de lembrar. Quando eram pequenos, viajar para o litoral era o mais perto que eu conseguia chegar de uma aventura. Brigas e mais brigas. Gostos muito diferentes. Amo, mas penso em deixá-los, é verdade. Penso em fugir. Penso em não ver os netos nascerem. Tenho saudades da época em que eu sonhava em ser guitarrista de uma banda de rock. A guitarra ficou para lá em prol da ambição de economista. Economizei até as emoções. Minha mãe deu a minha guitarra para o primo Lucas. Ele é cinco anos mais novo do que eu. Careca. Tem uma banda. Aderiu a moda dos carecas lustrados. Viaja pelo Brasil inteiro... De pub em pub. Alguns fãs... Esse sonho era meu que foi passado para ele quando recebeu a minha guitarra de bandeja. Sabe de uma coisa?! Eu deveria ter partido com aquela francesa! Louca. Hippie. E muito, muito gostosa. A ruiva de olhos verdes e cheiro de desejo. Costumava usavar jeans sem calcinha e uma camiseta regata, sem sutiã. Por cima usava uma camisa nos dias mais frios. Mas na maioria do tempo ela estava nua comigo. Era a delícia dos meus dias que pareciam perfeitos. Mas ela era louca demais. Os Baseados eram fatos reais em sua vida. Tive medo de ir com ela. Tive medo dos dias sem limites. De sonhos inteiros. Se eu não tivesse medo... Iria atrás dela agora! Nem sei se ela ainda vive, mas este parece ser um bom motivo para partir. Aproveitaria para aprender a falar francês. Foi assim que eu a conheci. Com desejo de falar francês. Eu deveria ensiná-la português e ela o francês. Aprendi na verdade a ouvi-la, principalmente seus desejos. Quantas noites passamos na praia? Ríamos muito. É tão bom rir. Ríamos de tudo. Tudo era bom. A cabeça vazia não fazia planos, não fazia contas, mas sentia tudo. Os dias tinham gosto. Tinham cheiro. E se eu fecho os olhos, volto ao passando e sinto. Era só o momento. Eu conseguia sentir cada segundo passar. Sabia ter emoção. Lembro do dia chuvoso. Andávamos abraçados enquanto as gostas de água nos refrescava. Eu desenhava nossa felicidade. Joguei os cadernos fora um tempo atrás. Também esqueci como se desenha. Desenho agora apenas cifrões com números à direita. Quanto mais dinheiro os clientes ganham, mais eu ganho. E todos ganham. E posso comprar o carro do ano. E posso trocar os móveis da casa. Estando novos e daí? Alguém irá usá-los e usarei outros. A esposa fica feliz e eu fico feliz. Fico feliz mesmo? Fico feliz que nada. Acaba que é só uma forma de eu tentar não lembrar das minhas escolhas. Pensar no que eu quero adquirir e traçar planos de como adquirir. Mas hoje não tem jeito. Cinqüenta anos é simbólico. É o ponto de parada na vida em que somos obrigados a pensar sobre ela. A vida pela vida. E se o saldo for negativo, hora de salvá-la. Será que dá para eu fugir pela janela?

domingo, 9 de março de 2008

Um minuto

resta um pouco mais de um minuto
para você falar em tom absoluto
vai embora
caminho afora
amor penhora
reconheço pelo seu olhar agudo
sua fala pausada e sem conteúdo
não demora
que piora
sem escora

sábado, 8 de março de 2008

Bela da tarde

Sem que lhe retarde,
no meio da tarde,
sob o sol que arde,
Diva é bela da tarde.
Com pouco alarde
beija e diz boa-tarde
aos homens que à tarde
querem corpo que arde.
Anjo que lhe guarde
da mão de um covarde.

sábado, 1 de março de 2008

A mulher ideal

Uma mulher é capaz de conhecer um homem e já vê-lo em um altar! E claro, com ela ao lado, a noiva total acompanhada do kit pais, padre, padrinhos, convidados, pompa... Isto é outra coisa que não entendo. Por que gastar tanto por tão pouco tempo. Sei lá, já que quer casar, um Cartório já está bom demais! Fica tudo registrado em um papel que ela pode ficar contemplando por várias horas e nós nos arrependendo por toda vida. Afinal, ficar preso a uma só mulher só significa abrir mão de todas as outras. Esta idéia fixa de querer casar é perigosa. Limita demais os nossos movimentos, literalmente. O que é que tem se eu virei a cabeça para olhar outras pessoas na rua. E daí se em 99,99999999% das vezes estas pessoas são mulheres?! E se eu apenas quiser sair para a tradicional cervejinha com os amigos. Poupe-me de ouvir "você não me dá atenção", "você me abandona" e outras tantas frase do grupo crise geral. Argh. E ainda quer que eu fique em casa depois de ouvir toda esta ladainha. E de preferência sorrindo. E se eu fico, nem posso prestar atenção na TV. Elas falam demais, demais mesmo. Meu ouvido não consegue receber tantas palavras disparadas por minuto. E ai de mim se reclamar! Porque seria estar pronto para ouvir algo como "grosso", "insensível". Que mal há em curtir momentos a dois sem ter que pensar no futuro?! Sem dar nome aos filhos que não sabemos se queremos ter? Que mal há em admitir que seguimos regras bem diferentes? Não é que sejamos insensíveis. Mas convenhamos, mulher ama demais, fala demais, preocupa-se demais, reclama demais... Ainda tem a tal intuição feminina. Aí é que desconfia de tudo mesmo. Qualquer detalhe, qualquer alteração mínima, ela diz que nota, quando nem mesmo eu notei. E lá vem outra ladainha. Às vezes são mudanças sutis e ela já vem inquirindo. E se eu estiver mentindo mesmo? Vai preferir ouvir que eu estava com a vizinha? Com a gatinha que trabalha na lanchonete da equina? Já estou cansado de dizer a Marta que está tudo bem. Que ela não tem o que se preocupar. Afinal, estou lá com ela e deveria ser já o suficiente prova de meu afeto por ela. Mas não, vive sentido coisas. Só atrapalha mais. Tudo é demais. Depois vem a cobrança por ligações telefônicas. Já viu como é bolsa de mulher? Tenho sempre de ligar duas vezes porque na primeira vez ela está caçando o celular dentro da bolsa. Se estiver a fim de ficar uns dias em casa sozinho ou com os amigos e apareço cheio de saudade, imaginando que seria um encontro legal, lá vêm tantas cobranças em forma de avalanche. Eu apenas estava com saudades. E tenho de responde a uma verdadeira investigação sobre a expressão do meu rosto, os dias que já se passaram e nem me lembro de detalhes de como se passaram. Qual a importância de tudo isso? Não estamos ali e na hora? Esta não deveria ser a hora certa? Fica desperdiçando o tempo em que estamos juntos com reclamações do tempo em não estávamos juntos. Fica obcecada por controlar e põe tudo a perder. Gata, gata... Já te disse que não estou a fim de cobrança. Que eu não sei interpretar sinais, apenas sei falar diretamente e espero o mesmo de você. Aliás, esta coisa de interpretar sinais é horrível. Por que tem coisa que não há com o que se preocupar, mas fica aí cheia de grilos e nem aproveitou o meu abraço. Recusou o meu beijo. Marta, você fala demais. Se fosse contanto coisas engraçadas, me fazendo rir... Tudo bem, mas quase sempre é só problemas e ciúmes. Você é linda e chata. Se você se preocupasse mais em ser afável e aproveitar a vida, eu amaria você. Não voltou a falar comigo depois disso. Já há uma semana que Marta não liga para contar que quebrou a unha, ou o cachorro amanheceu latindo esquisito. E creio que não voltará a ligar. Ela não ouviu o que eu disse e ficou intuindo o que eu não disse. Preferiu ouvir entrelinhas que não existiam. Paciência.