quarta-feira, 2 de abril de 2008

Salto

Sem sono, fiquei espiando a cidade do alto. Vazio. Silêncio. Um barulho de um carro, ou outro. Latidos de alguns cachorros da vizinhança. Ronronar de gatos, talvez em algum telhado. Brisa gelada trazia a sensação da noite. O cheiro estava bom. De olhos cerrados, meu silêncio foi interrompido por passo após passo. “De quem seria aquele som? Alta ou baixa? Gordinha ou magrinha? Pelo caminhar eu diria que tem um pouco mais de 1,70 e magra. Talvez bem magra”, pensava comigo. Depois de ouvir tantos tic tics naquele piso do trabalho, um granito verde sujeira, não poderia não deixar de aprender o comportamento das mulheres e o salto. Havia diferença entre a relação peso, altura e salto. O som poderia ficar mais agudo ou grave conforme o peso e altura da dona. Só faltava saber que aparência tinha. “Loira? Morena? Mulata?” Ruiva! - quando abri os olhos. E de longos fios. Ainda não dava para saber se bela àquela distância, mas só poderia ser alguém de bom gosto e bela. Vestida em um casaco de náilon que lhe cobria até os joelhos... E uma bota, de salto longo e fino, de algum material que lhe permitia colar em sua pele... Pelo brilho, talvez fosse vinil... E era vinil... De que lugar estava vindo ou para onde estava indo? Esta pergunta ficou sem resposta. As botas pareciam ultrapassar a altura dos joelhos. Não dava para ver um pedacinho sequer de pele da sua carne magra. Suculenta? Eu em minha mente respondia sim. Desejava sim. Imaginava sim. Ah... eu queria aquela mulher. Seria ela uma boa vítima para a saga dos meus desejos? Subia a rua apressada. Minha mente também se apressava em pensar algo, antes que ela sumisse caminho a fora e talvez não mais a identificasse em rostos que se apresentassem na multidão. “Que tal colocar uma velha fantasia em prática?!” Eu ainda tinha aquela máscara de esqui e o revólver de brinquedo. Na minha época, revólveres de brinquedo bem parecidos aos reais era um excelente brinquedo. Ganhei de meu padrinho, guardei-o até hoje. Nunca quis dar a ele o destino do lixo. Mesmo quando a ex insistia para que eu me livrasse dele. Cansei de dizer que campanha de desarmamento era só para armas reais, não para a minha réplica de um três oitão com cabo Madrepérola. Casaco, luvas, moto, máscara, revólver... É isso! Apanhei tudo e desci correndo. Lembrei antes de pegar fitas adesivas para colar nas placas da moto. A brincadeira poderia ficar séria se ela pudesse me identificar depois. Polícia na cola de um cidadão apenas safado era tudo que eu não queria. Fitas nas placas. Máscara no rosto. Luvas nas mãos. Revólver na cintura. Saí da garagem como um louco. Parecia que a brisa trazia o perfume dela, então pude farejá-la. Meus ouvidos também podiam ouvir o som de seus saltos, já um pouco distantes. Mas isto facilitava muito. Perfume mais forte, som mais alto. Encontrei-a duas esquinas depois. Não tive dúvidas do que deveria fazer, encorajado pelo vazio das ruas e o tesão. Girei a moto rapidamente em sua frente. Ela assustou. E parou... Apontei a arma para ela e disse "Quieta!, nem pense em gritar! Ou leva um pipoco! Ouviu dona?" De fato bonita. Muito até. Ela levantou os braços para cima e sacudiu a cabeça que sim. Bolinei um pouco. Parei quando notei que estava na fronteira entre um homem realizando uma fantasia e tornar-me um bandido a ser identificado pela polícia. Mas alguma lembrança eu ainda precisaria carregar comigo. E de repente poder continuar aquela brincadeira de forma consentida. Peguei o seu casaco de náilon, subi na moto e voltei para casa. Como seria sua voz?

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