domingo, 27 de janeiro de 2008

In-Sônia

Desde que Camila foi embora, passo por altos e baixos. Superei a ausência de Camila, pelo menos acho que superei. Se bem que eu ainda me pego pensando nela. E pior, acreditando que um dia voltarei para casa e a encontrarei aqui. Aos trancos, aprendi a viver a nova vida. Mas volta e meia, quando tudo está bem e eu até sinto uma certa tranqüilidade, algo acontece. Desta vez um problema tirou o meu sono. Exatamente o intervalo de tempo entre o meu último encontro com Sônia e a tentativa de revê-la. Não pude dormir por um mês. Na primeira semana, tentei várias receitas para pregar os olhos por algumas horas. Alongamento dos músculos. Respiração abdominal. Repetir mentalmente uma palavra relaxante. Regulagem da temperatura do quarto. Troquei o colchão. Joguei o despertador fora. Nada, absolutamente nada, funcionou. Ir ao trabalho no dia seguinte era complicado. Não dormir, por si só, é um problema. Mudança de humor. Falta de energia. Baixo rendimento. Essa mistura é bombástica. Um dia veio a gota d'água. Só não perdi o meu emprego porque abri o jogo com o meu chefe. Disse entender, mas com um ultimato em riste: ou eu resolvia o meu problema, ou deveria procurar outro emprego. Foi aí que resolvi procurar Sônia. Mulher comum. Era a rainha da dieta, e conhecia todas as já inventadas de cor e salteado. Só mais tarde dei-me conta que ela é linda e fazia tudo que podia para esconder sua beleza. Depois de algumas aventuras, resolvi que era hora de manter um caso sério. Um relacionamento que não fosse totalmente casual. E que também não fosse totalmente sério. Sem família. Sem amigos comuns. Sem obrigações. Sem compromissos. Sem eventos sociais. E para ser sincero, eu queria mesmo alguém com quem pudesse fazer sexo seguro, sem a necessidade de bancar o romântico de vez em quando e lembrar-se de datas. Botei na cabeça este objetivo e encontrei Sônia. Distraída. Lia um cartaz de filme. Um que entraria no circuito de cinemas brasileiros em questão de dias. Puxei assunto sobre aquele filme. Ela correspondeu. O papo fluiu. Eu tinha chances com aquela moça, pensava. Doce. Gentil. Acabamos assistindo ao filme juntos. E esta foi a única vez que isto aconteceu. Da saída do cinema, já fomos para sua casa. E depois que estávamos em sua cama conversando lorota, formulamos o nosso acordo. Consegui pôr todas as minhas cláusulas. As mesmas mencionadas acima. Nada de família, amigos, eventos sociais etc. Ela também disse as delas. Algumas formulamos juntos. Freqüência. Horários. Concordamos em sermos leal um com outro. Faríamos todos exames necessários que comprovassem a mais perfeita ordem fisiológica. Poderíamos estar com quem quiséssemos, mas prática sexual sem camisinha com outros não seria permitida. Sem camisinha, só entre nós. Formamos um casal que vivia uma relação passional. Encontrávamos-nos nas noites de segunda, quarta e sexta por um único motivo: sexo. Com o tempo, concebemos nossa rotina: tirávamos as roupas, transávamos, vestíamos e eu partia sem dizer uma só palavra, nem ouvir uma só palavra. Às vezes um pouco confusos, mas nada tínhamos a dizer um ao outro. Também nada sabíamos sobre a vida um do outro. Um dia nosso ritual foi quebrado. Sônia apresentou-me o resultado de um exame. No nosso acordo não mencionamos filhos. Ela não fez de propósito, eu sei. Fiquei transtornado. Disse coisas ruins. Disse que eu não tive filhos com a mulher que amei, quanto mais com outra que era apenas um caso. A magoei. Disse que tinha feito de propósito para casar comigo. Obrigar-me a ficar com ela. Ela limitou-se a despejar aos meus pés caixas do anticoncepcional que tomava. Guardava sempre as últimas doze caixas. Marcava com etiqueta a que tomou em cada mês. Dia de início e fim. Guardava também as notas ficais das compras. Extremamente metódica. Disse que abriria uma ação contra o laboratório. Ainda assim, o filho nasceria. Explicou-me que em caso de registro de criança com pai incógnito, seria movida ação de averiguação da paternidade obrigatória. Ela seria obrigada a apresentar um pai. E eu era o pai. Disse que dispensava pensão para o filho, ou qualquer outra obrigação. Só não abriria mão de que o visitasse algumas horas por semana. Pedi que tirasse o filho. Ela disse que não faria isso. Seria um risco que ela não estava disposta a correr. Afinal tinha culpa de nada. Apenas aconteceu. Eu podia ver em seu rosto, o esforço que fazia para não chorar. Seus olhos estavam cheios de lágrimas. Pediu-me que fosse embora. Que voltasse outra hora. Para conversarmos melhor. E eu fui. Nunca testemunhei tamanha força interior. Em nenhum momento gritou, ou me xingou. Mesmo com toda minha rispidez. Daquela noite em diante não conseguia dormir. Não sei ao certo se pela dor de consciência ou pelo medo da paternidade. Como seria este filho? Eu nem mesmo tinha planejado a mãe. Só a considerava alguém boazinha. Alguém com quem eu não precisava me preocupar e nem me faria mal. Nunca a visto como mãe de um filho meu e isto assustáva-me. Também não esquecia todas as duras palavras que a proferi. Ela não teve culpa. Também não tinha planejado. Vai ver que ela estaria pensando, tanto quanto eu, que eu não seria o pai planejado. Naquela tarde, conforme recomendado pelo meu chefe, tomei um táxi e fui ao apartamento de Sônia. O porteiro impediu-me a entrada. Disse que ela tinha se mudado umas duas semanas atrás, após ter sofrido um acidente. Explicou que ela foi atropelada por uma moto. Nada grave, mas os susto lhe valeu a perda do filho. O apartamento estava a venda. Perguntei pelo novo endereço. Ele não sabia. Ela não deixou. Fiquei confuso. Um grosso. Um idiota. Não sabia o que fazer. Ao menos precisava pedir desculpa. Tive uma idéia. Procurei a imobiliária. Fingi estar interessado no apartamento. Fui até lá com a corretora que apresentou canto por canto do apartamento, que eu já conhecia. Vazio parecia maior. Ótimo, quero comprá-lo! O preço negociado. O dia da assinatura do contrato seria o dia para encontrar Sônia. Ela apareceu. Magra. Mudou a forma de pentear os cabelos. Usava óculos escuros. Estava vestida de forma diferente. Linda. Ela é linda. Quando ela me avistou, simulou não me conheceu. Deixou que fôssemos apresentados. Queria ver até que ponto daria continuidade a mantermos a farsa de que não nos conhecíamos. Fui eu que cedi. No momento da assinatura. Disse que foi a única forma de reencontrá-la. A corretora e outros funcionários da Imobiliária ficaram furiosos. Sônia limitou-se a dizer a todos que a chamassem novamente quando novo comprador fosse encontrado. Levantou-se. Deu-me as costas.

sábado, 26 de janeiro de 2008

Bem-feito

Homem escorreito,
de rosto insuspeito,
pelo povo foi eleito.
De que outro jeito
poderia ser Prefeito?
Com muito direito,
quis tirar proveito.
Pelo crime malfeito,
perdeu o respeito.
Agora é um suspeito.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

De cabeça para baixo

O final da adolescência é marcado pelo recebimento das regalias adultas. Identidade. Carteira de motorista. Serviço Militar. Profissão. Festas. Embriaguez. “Proibido para menores de 18 anos” já não nos provoca abalos sísmicos. Em compensação, na minha época, já podíamos ser presos por uma menina assanhada. Fortes sentimentos e emoções, com intensos relacionamentos... Que nada! O meu final foi diferente. Preparações para o vestibular. Em casa não dava. Violão, televisão, aparelho de som, atari, vídeo cassete, sessão da tarde. Tinha de achar um outro lugar. E assim veio sorrateiramente o hábito de deixar-me estar horas e horas na biblioteca pública da cidade. Um bocado de livros havia por lá. Muitos chegaram àquelas prateleiras por meio de doações. Nem tanto por benevolência. Mais por praticidade. Melhor, por livramento. Geralmente, depois da morte do dono é que os livros chegavam lá. Em outras famílias, era questão de espaço. Os melhores vieram da coleção pessoal do professor Paschoal. Clássicos da literatura. Relíquias em várias línguas. Tinha uns até em latim. Entre um estudo e outro, eu olhava para eles. Depois do vestibular, voltava lá para apanhar um emprestado. Foi aí que a conheci. Cara fechada, de poucos amigos. Olhar vigilante. Parecia uma criança emburrada. Eu podia notar um quase bico naquele rosto. Ela nunca sorria. Como ela é bonita, pensava. Não poderia escapar da minha atenção. Gostava do mau-humor daquela Bibliotecária. Eu estava apaixonado por ela. Passei a ir todos os dias novamente. Mais de uma vez por dia até. Sempre vários livros emprestados. Pilhas. Tentava puxar assunto sobre o tempo, enquanto registrava meu empréstimo em todas as fichas à mão. Mas era muito rápida no atendimento. Eu nem conseguia dizer oi. Quanto mais dizer "que dia chuvoso". "Que calor". Ficava observando sua letra depois. Retilínia. Em um dos livros aprendi que a forma de escrever pode revelar seu jeito de ser. A letra dela indicava caráter intransigente, baixa flexibilidade nas negociações, possibilidade de respostas impulsivas. Ei, esse negócio funciona mesmo! É claro que eu nem lia todos os livros. Só lia os que poderiam trazer informações sobre ela ou que me fizessem imaginar ela. Li um guia de viagem. Roteiros românticos eram indicados. Ainda que não lesse todos, era a melhor desculpa para eu chegar perto dela. Sempre ela. No crachá estava escrito Maria das Graças. E que graça! Arrumando os livros na prateleira, eu também dava um jeito de me aproximar. Parecia um cachorro farejando o ar do seu perfume, fingindo estar lendo um livro. Moço, o livro está de cabeça para baixo. Uma criança notou meu estado de espírito. Mas no balcão ainda era melhor. Seu perfume infiltrava-se em mim. Fragrância floral fresca e cítrica. Bem ela: agridoce. É bonita, pensava. Silêncio por silêncio. Muitas horas ali a colher fagulhas de atenção. Afastei-me um pouco dos amigos, mas aproximei-me do meu alvo, que até então me ignorava. Me contentava, no entanto, com sua presença. Sua agridoce presença. Arriscava um bom-dia e silêncio eu ouvia. Um dia realmente fiquei chateado. Ela trocou o perfume! Como ela foi capaz de fazer isso comigo?! Quebrei o silêncio. Mudou de perfume? O quê disse?! Mudou de perfume? Você notou. Sim. Mas você sabe que isso não se faz? Como?! Não faz parte das regras mudar de perfume. Regras?! Uma mulher deve manter-se fiel ao seu perfume. É uma marca registrada. Um homem que a tenha amado ou simplesmente conhecido, jamais a esquecerá. É mesmo? É mesmo, todo mundo sabe. Eu acho que você está lendo livros demais. Ah... minha azedinha. A lembrança de um perfume conta tantas histórias... Esta última parte eu só pensei. Não tive coragem para ir muito além. Mas é fato que depois daquele dia uma grande evolução ocorreu. Peguei ela olhando para mim por cima do óculos. E quando levantei o rosto e virei-me para ela, rapidamente baixou os olhos. Mas eu vi e sorri muito por dentro. Outros dias se passaram. Silêncio por silêncio. Já havia, no entanto, olhares cruzados. Quebrou o silêncio. Você lê muito mesmo. Gaguejei. Éééééé... Não podia perder a oportunidade de jeito nenhum! Respirei fundo! Não pisquei. Quer ir ao cinema comigo? Ela sorriu. Sim.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Perfume

Lembrança desvairada
de uma paixão abalada.
Um homem e sua amada
em situação enrolada.
Com mágoa acumulada,
não esquece sua amada,
de fragrância amendoada
em seu corpo impregnada.
Era a marca registrada
de uma paixão ousada.

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Metido

Meses sem sair de casa para um evento noturno. Preferi estar por estar nas minhas próprias noites. Imerso em meus próprios pensamentos. Sentimentos. Introspecção. Camila me falta. E o tempo não volta. Recebi por e-mail o aviso da festa. Tomei coragem. Arranquei-me de casa. Preferi ir de táxi. Assim teria de andar um pouco. A brisa noturna me ajudaria, como ajudou. O friozinho de doze graus na rua despertou-me. Provocou-me o desejo de ser aquecido. Assim, quando cheguei à festa, o ambiente pareceu-me um abrigo. Estava animada a festa. Favorecia o flerte e as conversas mais próximas. A princípio, confortei-me em companhia do vinho. Os mais alegres arriscavam-se a declamar, cantar, tocar. Um clima de sarau improvisado. Nina era uma que compunha o grupo dos alegres. A esta altura da noite, ainda não sabia seu nome. Bela cantora. Era isso que me faltava ali. Eu estava a fim. Ela não usava sutiã e os bicos dos seios se desenhavam através do pulôver que era acompanhado por uma calça jeans, que um dia virou short. Uma menina de jeito moderno, sensual e romântico. Sua voz encorpada não combinava com seu corpo lânguido. O vinho... A mais nobre das bebidas tem o poder de soltar a língua humana. E, quando isso acontece, a verdade vem à tona. Eu estava em companhia do vinho e Nina estava em companhia de amigos. Quando me aproximei dela, à queima-roupa, disse em seu ouvido que a queria. Não dei atenção aos seus risos. Agarrei-a por trás. Também não dei atenção aos seus protestos. Ela se debateu como pôde. Mas sem muita resistência. Parecia resistir não resistindo. Resistia por obrigação. E eu sussurei novamente que não sabia ouvir não. Depois se deixou levar. Entre um beijo e outro, nos conhecíamos. Ela sabia das coisas, corporalmente falando. Aquilo me excitou. Perguntei se estava comprometida. Ela riu, pois dependia do meu ponto de vista. Não levei a sério a resposta. Disse que queria levá-la a outro lugar. Percebi que ela hesitou e perguntou para onde e para quê. Disse estar cansado do processo unilateral de normalização hormonal por estimulação temporária auto-induzida. Não estou certo de que tenha entendido. Prossegui. Um beijo. Meu apartamento. Outro beijo. Meter em você até amanhã de manhã... Vou pedir um café pra nós dois. Comecei a rir. Era agradável. Aí veio o ponto-alto de nosso diálogo. E de ser metido? Você gosta? Pensei que era uma alusão a eu estar sendo presunçoso. Engatei a segunda. A propaganda não será enganosa. Ela riu. E não será mesmo. Vamos ao meu apartamento. Ela pediu licença. Fez um ligação pelo celular. Fiquei observando-a. Seus lábios falando. Mas nada que pudesse entender. Muito menos imaginar. Ela voltou. Vamos? E a segui. Dividimos o táxi. Eu eufórico. Lindo apartamento. E uma super-gata. Ofereceu-me a mais bela demonstração técnica que não tivera em muito meses. Aquilo durou uns quarenta minutos. E no momento que comecei a me entregar a fundo, fui surpreendido por novas mãos e um novo corpo. Assustei-me. Virei-me e dei de cara com uma nova mulher. Igualmente linda. Oi, Luiza. Nina sorriu. Ela repetiu a pergunta. E de ser metido? Você gosta? Só aí notei as fotos que decoram o quarto... Dentro da minha cabeça, ouve-se o som de fichas caindo. Nina me levou para casa como que leva comida. Duas mulheres tão lindas. Tão femininas. De repente a palavra no plural "lésbicas" não significava a mesma coisa que "sapatonas". Duas aranhas? Claro que não disse isso! Só pensei. Eu era o presente de Nina para Luiza. Só faltava o laço de fita. Estava na cama de amigas íntimas, ou melhor, concubinas. Me senti meio bobo. Já imaginava um relacionamento com Nina. Luiza quebrou o gelo. Se não sabe, terá a oportunidade de saber agora. De repente estava a segundos da realização de uma tão sonhada fantasia masculina. Topei.

Bem partido

Passou desapercebido,
aquele desaparecido.
Álcool abastecido.
Em sarjeta decaído.
Já foi bem-sucedido,
antes do acontecido:
deixou de ser marido.
Sentimento doído,
em sorriso abatido
de um peito-ferido.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Jazz ao vivo

Endereço para curtir bons shows de jazz ao vivo, no coração da bohemia. Quando meu amigo, Pedro, convidou-me a ir ao tal pub de jazz na moda, não imaginei que aquelas músicas conseguiriam ficar na minha cabeça por muito mais tempo, nem aquele cenário, figura rara. 24 horas. Já passa das duas da manhã e eu não consigo parar de desejar estar lá. Será que ela está lá hoje. Será que ainda consigo entrar? Bobagem minha. Pedro disse que o show de ontem só acontece uma vez por mês, mas será que ela está lá hoje? De repente fazendo uma outra performance... Algo mais comedido... Quem sabe hoje ela não esteja só dançando as músicas, as mesmas que não saem da minha cabeça. Em verdade, não são as músicas. É muito mais do que isso. É a lembraça dela! Uma bela moçoila nua, tomando banho em uma sexta à noite... Diante de uma platéia espalhada em mesas bem próximas, sob uma luz suave. Na maioria homens. Ser voyeur nunca esteve em meus planos. Sempre achei que fosse uma prática sem graça. Mais pela invasão de privacidade. Também nunca gostei de shows eróticos. Mas este não tinha qualquer tipo de apelo. Ela parecia não estar ciente de estar sendo observada. Não imaginava ser este o motivo de tornar o quadro tão estimulante. Inocência observada. E ainda combinava com o jazz. Não estava dançando exatamente, mas o seu corpo, ah o seu corpo, este parecia vibrar conforme o compasso. Quantos homens ali presentes? Somos todos voyeurs, ou não?! A casa ainda tinha o amargo e irresistível gosto da exclusividade. A segunda sexta-feira de cada mês era especial neste pub mais animado da cidade. Público seleto para uma representação dramática, embalada por músicos de primeira linha. Não era qualquer um que poderia entrar em uma noite como ontem. O nome tinha de estar na lista e isso já bastava para causar alvoroço. Tinha de ser convidado. Nestes dias, havia uma tabuleta invisível pendurada na porta: "Entre apenas se for convidado. Por favor, não insista." Esta mesma mensagem parecia estar escrita nas testas ainda presentes na fila. E não era qualquer um a ser convidado. Apenas freqüentadores assíduos e amigos dos freqüentadores assíduos. E gente muito importante. E amigos de gente muito importate, que acabavam se tornando importante juntos. No meu caso, sou amigo de um freqüentador assíduo. E não é qualquer freqüentador assíduo que pode ir lá. Tinha uma tal lista de espera, que gente muito importante não precisava entrar. E como a lista de espera era longa; ou rolava um sorteio, ou algum tipo de concurso: sendo necessário cumprir algum tipo de tarefa ou responder à alguma pergunta musical. O fato que o grande prêmio era entrar na tal noite fechada. Com o grande direito de levar um acompanhante. Valia muito assistir aquela bela moçoila de cabelos castanhos claros longos, olhos castanhos tão claros quantos os cabelos. Pele alva, pintada de sardas. Seios adolescentes, embicados e rosados. Pelinhos devidamente aparados. Nem alta, nem baixa. Nem gordinha, nem magrinha. Simplesmente harmônica. A música começa e ela vai tirando a roupa. Há um chuveiro, box transparente, no canto do palco. Ela entra. Música rolando... Findo o banho, enxuga-se. Hidratante espelhado. Cabelo Penteado. Tudo em frente a um grande espelho. E a música rolando... Abre um armário. Escolhe a calcinha. Veste. Escolhe uma camisa. Veste. Fecha o armário. Volta-se para um mesa. Senta. Liga o computador. Minutos passados, campanhia. Levanta-se. Atende a porta. Um homem entra, até boa pinta. Discutem. E a música rolando... Ela abre a porta. Manda-o embora. Ele fecha a porta. Coloca-a contra a parede. E a música rolando... Beijos... Mãos... Quatro que movimentavam-se abaixo, acima, adentro, afora, ali, acolá, além, algures, alhures, atrás, dentro, embaixo, externamente, lá, perto, em cima, à direita, à esquerda, ao lado, em volta. Fornicação sob consentimento de todos. Não consigo esquecer aquelas músicas, muito menos a musa.

domingo, 20 de janeiro de 2008

Destino ardo

João Felizardo,
moço galhardo.
Está em resguardo
do teu fardo:
um filho bastardo.
Nasceu pardo.
Foi a Dom-Bernardo
pedir um petardo.
Queria com alardo
matar o Hussardo.

Uma história aparte

Uma história aparte.
Mesmo sem arte,
ela usou o seu bacamarte.
Depois fugiu para seu Baluarte.
Sem tir-te nem guar-te,
Fincou o seu estandarte.
Acreditava estar em Marte.
Com o sol, seus dias reparte.
A noite cobre-se com zuarte.
Esqueceu que um dia amar-te.

Vaidade

Camila, eu sei que você deve estar achando que eu sou o mais vil dos homens. Safado, ordinário... É... Canalha também. Mas preste atenção no que eu vou dizer: Eu te amo! Tá bom, eu sei que você não acredita agora. Pense nos momentos que passamos juntos. Eu sei que parece que eu não tenho lembrado deles. Mas tem de acreditar em mim! Basta eu fechar os olhos e eu vejo você. Consigo lembrar até do perfume que senti em você quando a conheci. Depois lembro daquela festa em que você foi sem calcinha. Que noite aquela! Mas foi só uma diante de tantas outras. E quem diria... Você, por trás deste jeito de santa... Uma doida gostosa. Tá tá bom! Eu tiro as mãos de você. Eu nem falo com você, se você ficar... O que acha? Eu fico aqui quieto... Por uns dias, até quando quiser. Camila, larga esta mala! Não, eu não vou deixar você sair daqui! Não vou parar de colocar suas roupas de volta ao armário. Nem vou sair da sua frente. Não, não jogue! Opa! Era uma vez um copo. Este passou por perto. Camila, me ouça... Não vou deixar você sair da minha vida! Está me ouvindo?! Eu sei que eu não mando em você... Eu só estou tentando te impedir de ir embora. Sei que eu errei. Perdoe-me. Esqueça tudo. Podemos viajar para onde você quiser! Uma nova lua de mel! O que acha? Não, no inferno não. Merecemos lugar melhor! Sabe que você fica linda com raivinha... Mas não fica com raivinha de mim não. Tá bom, eu não vou encostar em você. Não precisa gritar. Os vizinhos não precisam compartilhar do nosso desentendimento. Ela significa nada para mim. Foi só vacilo de homem. Testosterona. Sabe como é... E tem muita mulher oferecida por aí. Você mesma diz isso. Já vi muitas vezes você afirmar para as suas amigas que não existe homem fiel, apenas homem sem oportunidade. Então entendi que você esperava isso de mim. Não é mesmo? Não, eu não estou dizendo que te traí porque você queria ser traída. Apenas não sou um homem sem oportunidade e não resisti. Cínico, eu? Não estou sendo sincero. Fica calma. Quer um copo de água com açúcar? Ficar com ela? Não, eu não posso porque eu quero você. Minha Camilinha linda. Vem cá, vem. Larga esta mala! Não entendo a sua reação. Ela não significa nada para mim. Foi apenas um casinho... Você sabe que eu te amo. Se acalma. Vamos conversar, senta. Eu vou contar o que houve. Ela é a nova secretária do chefe. Bonita ela. Não como você. Mas é bonita. Os homens ficavam todos ouriçados quando ela passava. Cheios de comentários. Um dia ela começou a se insinuar para mim. E eu fiquei curioso. Resisti por uns tempos. Depois eu quis. Mas é um querer diferente. Era curiosidade mesmo. Saí com ela a primeira vez e foi fora do comum. De repente aquele acontecimento foi o melhor da semana. Saber que ela estava preocupada em me agradar. Eu pensava na escolha da lingerie. Dos detalhes que ela tinha se preocupado. Com você é diferente. Você já está aqui mesmo! Suas calcinhas estão todas na gaveta. E seus sutiãs, assim como as calcinhas, apenas parecem confortáveis. Você não se esforça mais para me seduzir. Já não somos novidades um para o outro. E eu fui muitas outras vezes. É verdade. Por isso eu fiquei distante de você. Mas como todo homem que se preza, eu neguei até o fim. Realmente não me preocupei com você. Apenas pensei em mim. Com o meu orgulho de macho. Outros gostariam de estar no meu lugar naquelas horas. Desculpa, eu sei que fui egoísta e canalha. Agora estou te pendido que pense em nós. Saber que você está pronta para sair por aquela porta me deixa desesperado. Não consigo imaginar a vida sem você. É com você que quero ficar! Por que você se levantou? Vai embora??

sábado, 19 de janeiro de 2008

A culpa é da escova de dentes

Ela estava diante da janela. Pronta para morar no meu apartamento. Voltou-se para mim sorrindo. Disse alguma coisa sobre a vista. Que dava para ver quase toda a cidade, acho. Eu não ouvi direito. Apenas sacudi a cabeça que sim e murmurei que era uma bela vista. Fiquei a beira da janela. 23º andar. Olhei lá para baixo. Eu queria ficar isolado aqui em cima. Escolhi com cuidado este apartamento. Depois de dar um tempo na casa de minha mãe, até que as coisas ficassem melhores para mim e pudesse voltar a morar sozinho. E eu disse sozinho. Não estava nos meus planos morar com alguém. Pelo menos não agora. Acendi um cigarro. Traguei mais fundo. Precisava sentir o calor da fumaça entrar em meus pulmões. Soltava a fumaça como quem faz sinais. Eu estava pedindo socorro. Quem sabe um dos meus novos vizinhos não visse. E se de repente um deles acionasse o alarme contra incêndio?! "Em caso de emergência, quebre o vidro". E era uma emergência. Debrucei-me sobre o parapeito por alguns minutos. Deveria estar imaginando a gente trepar nesta mesma janela. Eu excitado e ela com medo de cair. Mas não. Estava preocupado. Gostava dela. Bonita, inteligente. Boa gente. Divertida até. Gosto de mulheres que me fazem rir. E ela me fazia rir. Mas definitivamente não estava pronto para vê-la mais freqüentemente. E observando a animação dela... Serelepe... E com a feição de uma criança curiosa, que acabou de ir para uma casa nova e tenta descobrir quantas portas e janelas tem, arrumava minhas coisas aqui e ali. Tirava o pó. Empilhava os meus livros. Organizava os CDs na estante. Perguntou se deveria organizar apenas por ordem alfabética ou por estilo. Nem sei o que respondi. Só sei que ela respondeu "tá bom". E continuou arrumando os CDs na estante. Fez tudo bem rápido. Impressionante como estava empolgada. Depois organizou os discos nas prateleiras maiores embaixo. Seguiu a mesma ordem. Nunca tinha me preocupado com estas organizações de prateleiras. Na verdade prefiria que eles estivessem em qualquer ordem. Assim, quando quissesse ouvir uma música, teria que passar por outras. Talvez lembra-se das histórias que algumas daquelas músicas embalaram. Não deveria ter aceito a ajuda. Deveria ter feito tudo sozinho. Mas quem mandou reclamar com ela que o último morador não era dos mais asseados. Que por conta disso teria de fazer uma faxina pesada antes de mudar. E ela se ofereceu. Cuidaria disso. Arranjar diarista, material de limpeza. Tudo seria por conta dela. E eu estava pensando se a idéia tinha sido boa. O apartamento para o qual acabava de me mudar já não era só meu. Sabe, tinha um pressentimento. A qualquer momento ela sacaria algumas palavras e eu seria obrigado a responder se ela estava pensando em se mudar para cá ou algo assim, porque eu não estava pensando em morar com ela, nem ninguém. Não queria magoá-la. Mas entre ela e eu, escolho "eu". Definitivamente deixá-la cuidar da mudança tinha acelerado as coisas. "Prontinho!" Ela anunciou. Será que ela vai embora agora?! É, um banho é legal agora. Sim, é claro que eu empresto uma das minhas camisetas para você. Realmente está tarde para você voltar para casa. Você vai deixar a sua escova de dentes no armário?! Querida, culpe a sua escova de dentes. Mas aqui, você não volta mais!