domingo, 27 de janeiro de 2008

In-Sônia

Desde que Camila foi embora, passo por altos e baixos. Superei a ausência de Camila, pelo menos acho que superei. Se bem que eu ainda me pego pensando nela. E pior, acreditando que um dia voltarei para casa e a encontrarei aqui. Aos trancos, aprendi a viver a nova vida. Mas volta e meia, quando tudo está bem e eu até sinto uma certa tranqüilidade, algo acontece. Desta vez um problema tirou o meu sono. Exatamente o intervalo de tempo entre o meu último encontro com Sônia e a tentativa de revê-la. Não pude dormir por um mês. Na primeira semana, tentei várias receitas para pregar os olhos por algumas horas. Alongamento dos músculos. Respiração abdominal. Repetir mentalmente uma palavra relaxante. Regulagem da temperatura do quarto. Troquei o colchão. Joguei o despertador fora. Nada, absolutamente nada, funcionou. Ir ao trabalho no dia seguinte era complicado. Não dormir, por si só, é um problema. Mudança de humor. Falta de energia. Baixo rendimento. Essa mistura é bombástica. Um dia veio a gota d'água. Só não perdi o meu emprego porque abri o jogo com o meu chefe. Disse entender, mas com um ultimato em riste: ou eu resolvia o meu problema, ou deveria procurar outro emprego. Foi aí que resolvi procurar Sônia. Mulher comum. Era a rainha da dieta, e conhecia todas as já inventadas de cor e salteado. Só mais tarde dei-me conta que ela é linda e fazia tudo que podia para esconder sua beleza. Depois de algumas aventuras, resolvi que era hora de manter um caso sério. Um relacionamento que não fosse totalmente casual. E que também não fosse totalmente sério. Sem família. Sem amigos comuns. Sem obrigações. Sem compromissos. Sem eventos sociais. E para ser sincero, eu queria mesmo alguém com quem pudesse fazer sexo seguro, sem a necessidade de bancar o romântico de vez em quando e lembrar-se de datas. Botei na cabeça este objetivo e encontrei Sônia. Distraída. Lia um cartaz de filme. Um que entraria no circuito de cinemas brasileiros em questão de dias. Puxei assunto sobre aquele filme. Ela correspondeu. O papo fluiu. Eu tinha chances com aquela moça, pensava. Doce. Gentil. Acabamos assistindo ao filme juntos. E esta foi a única vez que isto aconteceu. Da saída do cinema, já fomos para sua casa. E depois que estávamos em sua cama conversando lorota, formulamos o nosso acordo. Consegui pôr todas as minhas cláusulas. As mesmas mencionadas acima. Nada de família, amigos, eventos sociais etc. Ela também disse as delas. Algumas formulamos juntos. Freqüência. Horários. Concordamos em sermos leal um com outro. Faríamos todos exames necessários que comprovassem a mais perfeita ordem fisiológica. Poderíamos estar com quem quiséssemos, mas prática sexual sem camisinha com outros não seria permitida. Sem camisinha, só entre nós. Formamos um casal que vivia uma relação passional. Encontrávamos-nos nas noites de segunda, quarta e sexta por um único motivo: sexo. Com o tempo, concebemos nossa rotina: tirávamos as roupas, transávamos, vestíamos e eu partia sem dizer uma só palavra, nem ouvir uma só palavra. Às vezes um pouco confusos, mas nada tínhamos a dizer um ao outro. Também nada sabíamos sobre a vida um do outro. Um dia nosso ritual foi quebrado. Sônia apresentou-me o resultado de um exame. No nosso acordo não mencionamos filhos. Ela não fez de propósito, eu sei. Fiquei transtornado. Disse coisas ruins. Disse que eu não tive filhos com a mulher que amei, quanto mais com outra que era apenas um caso. A magoei. Disse que tinha feito de propósito para casar comigo. Obrigar-me a ficar com ela. Ela limitou-se a despejar aos meus pés caixas do anticoncepcional que tomava. Guardava sempre as últimas doze caixas. Marcava com etiqueta a que tomou em cada mês. Dia de início e fim. Guardava também as notas ficais das compras. Extremamente metódica. Disse que abriria uma ação contra o laboratório. Ainda assim, o filho nasceria. Explicou-me que em caso de registro de criança com pai incógnito, seria movida ação de averiguação da paternidade obrigatória. Ela seria obrigada a apresentar um pai. E eu era o pai. Disse que dispensava pensão para o filho, ou qualquer outra obrigação. Só não abriria mão de que o visitasse algumas horas por semana. Pedi que tirasse o filho. Ela disse que não faria isso. Seria um risco que ela não estava disposta a correr. Afinal tinha culpa de nada. Apenas aconteceu. Eu podia ver em seu rosto, o esforço que fazia para não chorar. Seus olhos estavam cheios de lágrimas. Pediu-me que fosse embora. Que voltasse outra hora. Para conversarmos melhor. E eu fui. Nunca testemunhei tamanha força interior. Em nenhum momento gritou, ou me xingou. Mesmo com toda minha rispidez. Daquela noite em diante não conseguia dormir. Não sei ao certo se pela dor de consciência ou pelo medo da paternidade. Como seria este filho? Eu nem mesmo tinha planejado a mãe. Só a considerava alguém boazinha. Alguém com quem eu não precisava me preocupar e nem me faria mal. Nunca a visto como mãe de um filho meu e isto assustáva-me. Também não esquecia todas as duras palavras que a proferi. Ela não teve culpa. Também não tinha planejado. Vai ver que ela estaria pensando, tanto quanto eu, que eu não seria o pai planejado. Naquela tarde, conforme recomendado pelo meu chefe, tomei um táxi e fui ao apartamento de Sônia. O porteiro impediu-me a entrada. Disse que ela tinha se mudado umas duas semanas atrás, após ter sofrido um acidente. Explicou que ela foi atropelada por uma moto. Nada grave, mas os susto lhe valeu a perda do filho. O apartamento estava a venda. Perguntei pelo novo endereço. Ele não sabia. Ela não deixou. Fiquei confuso. Um grosso. Um idiota. Não sabia o que fazer. Ao menos precisava pedir desculpa. Tive uma idéia. Procurei a imobiliária. Fingi estar interessado no apartamento. Fui até lá com a corretora que apresentou canto por canto do apartamento, que eu já conhecia. Vazio parecia maior. Ótimo, quero comprá-lo! O preço negociado. O dia da assinatura do contrato seria o dia para encontrar Sônia. Ela apareceu. Magra. Mudou a forma de pentear os cabelos. Usava óculos escuros. Estava vestida de forma diferente. Linda. Ela é linda. Quando ela me avistou, simulou não me conheceu. Deixou que fôssemos apresentados. Queria ver até que ponto daria continuidade a mantermos a farsa de que não nos conhecíamos. Fui eu que cedi. No momento da assinatura. Disse que foi a única forma de reencontrá-la. A corretora e outros funcionários da Imobiliária ficaram furiosos. Sônia limitou-se a dizer a todos que a chamassem novamente quando novo comprador fosse encontrado. Levantou-se. Deu-me as costas.

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