sábado, 19 de janeiro de 2008

A culpa é da escova de dentes

Ela estava diante da janela. Pronta para morar no meu apartamento. Voltou-se para mim sorrindo. Disse alguma coisa sobre a vista. Que dava para ver quase toda a cidade, acho. Eu não ouvi direito. Apenas sacudi a cabeça que sim e murmurei que era uma bela vista. Fiquei a beira da janela. 23º andar. Olhei lá para baixo. Eu queria ficar isolado aqui em cima. Escolhi com cuidado este apartamento. Depois de dar um tempo na casa de minha mãe, até que as coisas ficassem melhores para mim e pudesse voltar a morar sozinho. E eu disse sozinho. Não estava nos meus planos morar com alguém. Pelo menos não agora. Acendi um cigarro. Traguei mais fundo. Precisava sentir o calor da fumaça entrar em meus pulmões. Soltava a fumaça como quem faz sinais. Eu estava pedindo socorro. Quem sabe um dos meus novos vizinhos não visse. E se de repente um deles acionasse o alarme contra incêndio?! "Em caso de emergência, quebre o vidro". E era uma emergência. Debrucei-me sobre o parapeito por alguns minutos. Deveria estar imaginando a gente trepar nesta mesma janela. Eu excitado e ela com medo de cair. Mas não. Estava preocupado. Gostava dela. Bonita, inteligente. Boa gente. Divertida até. Gosto de mulheres que me fazem rir. E ela me fazia rir. Mas definitivamente não estava pronto para vê-la mais freqüentemente. E observando a animação dela... Serelepe... E com a feição de uma criança curiosa, que acabou de ir para uma casa nova e tenta descobrir quantas portas e janelas tem, arrumava minhas coisas aqui e ali. Tirava o pó. Empilhava os meus livros. Organizava os CDs na estante. Perguntou se deveria organizar apenas por ordem alfabética ou por estilo. Nem sei o que respondi. Só sei que ela respondeu "tá bom". E continuou arrumando os CDs na estante. Fez tudo bem rápido. Impressionante como estava empolgada. Depois organizou os discos nas prateleiras maiores embaixo. Seguiu a mesma ordem. Nunca tinha me preocupado com estas organizações de prateleiras. Na verdade prefiria que eles estivessem em qualquer ordem. Assim, quando quissesse ouvir uma música, teria que passar por outras. Talvez lembra-se das histórias que algumas daquelas músicas embalaram. Não deveria ter aceito a ajuda. Deveria ter feito tudo sozinho. Mas quem mandou reclamar com ela que o último morador não era dos mais asseados. Que por conta disso teria de fazer uma faxina pesada antes de mudar. E ela se ofereceu. Cuidaria disso. Arranjar diarista, material de limpeza. Tudo seria por conta dela. E eu estava pensando se a idéia tinha sido boa. O apartamento para o qual acabava de me mudar já não era só meu. Sabe, tinha um pressentimento. A qualquer momento ela sacaria algumas palavras e eu seria obrigado a responder se ela estava pensando em se mudar para cá ou algo assim, porque eu não estava pensando em morar com ela, nem ninguém. Não queria magoá-la. Mas entre ela e eu, escolho "eu". Definitivamente deixá-la cuidar da mudança tinha acelerado as coisas. "Prontinho!" Ela anunciou. Será que ela vai embora agora?! É, um banho é legal agora. Sim, é claro que eu empresto uma das minhas camisetas para você. Realmente está tarde para você voltar para casa. Você vai deixar a sua escova de dentes no armário?! Querida, culpe a sua escova de dentes. Mas aqui, você não volta mais!

Um comentário:

Germano Viana Xavier disse...

A construção de orações curtas muito me agrada, Via. Cada texto teu que leio é mais um agrado ao meu olhar leitor. História legal de se ler. Visitar-te-ei em constantes pulsos...

Beijos, Germano.
Obrigado pela visita lá no blog. Costumo responder lá mesmo no espaço para os comentários.

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