sábado, 26 de dezembro de 2009

Complicados e Apaixonads - Parte III

Confúcio

Heloísa saiu da sala numa seqüência de passos leves e lentos. Poucas vezes preocupou-se com a postura como agora. A mãe certamente faria um elogio se a visse agora. Procurava manter ombros, barriga, pescoço, cabeça em suas devidas posições elegantes. Entrou no elevador desejando que ele estivesse bem atrás de si, mas não estava. Segundos antes da porta fechar-se ainda olhou pelo corredor — ele ainda deve estar na sala — pensou. Limitou-se a olhar o pequeno livro branco.

Em sua casa, sua mãe recebe seu primo Fulberto. Informa que a filha não chegaria cedo e deveria demorar um pouco mais. Havia iniciado um novo curso após o trabalho. Fulberto pediu para esperar. Entrou e sentou-se no sofá. Estendeu a mão para alcançar a revista sobre a mesa. Sem muita paciência, folheava a revista buscando por algo que o entretesse. Estava ansioso por vê-la. Suas visitas eram freqüentes, mas a uma semana não via. Tinha iniciado um namoro, já terminado.

Observando o livro, Heloísa saiu do prédio. No sétimo andar conheceu o jovem professor interessante. Estava impressionada com a facilidade com que ele conseguia atrair a atenção dos alunos. Como disse a moça da secretaria, as suas aulas são muito apreciadas e preferidas entre os filósofos aspirantes. Muito atencioso também, emprestou-lhe o livro que parecia ser assiduamente consultado. Guardou-o cuidadosamente em sua bolsa. Esperou o semáforo indicar o momento em que os pedestres poderiam atravessar a rua. Lembrou-se dos olhos de Pedro. Hipnotizantes, pareciam familiares.

Enquanto dirige-se à sala dos professores, Abelardo pensa na jovem de modos antagônicos. Jeito moderninho, cuidadosamente desalinhado para aparentar mais casual do que realmente é. Quem não ouvisse sua opinião, acreditaria que seria apenas mais uma moça bonita e maluquinha, daquelas que estava habituado a encontrar nas festas do irmão DJ. Depois de suas perguntas e argumentos, a ele não restava dúvidas de que grandes atributos intelectuais e de grande beleza Heloísa era dona. Não gostava de emprestar livros. Poucas pessoas lembram-se de devolvê-los. Mas para ela valia a exceção. Tinha como certo de que desta vez Confúcio o ajudaria a conquistá-la. Trancou o seu armário assoviado.

Correu um pouco, em tempo, deslizou entre as portas do metrô. Heloísa repara um casal em troca de carinhos. Ela que não se impressionava com cenas românticas, permitiu-se a observar. Bateu a vontade de ter um namorado e não mais os casinhos fortuitos. Ouviu o apito agudinho, seu celular informava nova mensagem. Pegou-o. Seu primo avisava que estava em sua casa a esperá-la. — Tédio. — sussurrou consigo. Preferiria passar a noite lendo o livro e descobrindo mais sobre seu professor atraente. Ligou para casa.

— Alô, mãe.
— Oi, Fulberto está aqui, esperando por você.
— É eu sei, faz tempo que ele está aí?
— Sim, mais ou menos a uma hora. Eu avisei que você ainda demoraria, mas ele preferiu esperar.
— Ah... Logo hoje?! Queria dormir cedo. Pode chamá-lo, por favor?
— Claro. Ainda vai demorar?
— Não, estou bem perto. Mas ele não precisa saber disso, ok?
— Ok, já entendi. — a mãe ria, não aprovava a presença freqüente de seu sobrinho em sua casa, sempre na cola de sua filha.
— Cadê você.
— Oi, primo, tudo bem com você?
— Estaria melhor se você estivesse aqui. Trouxe um filme francês para vermos. Tenho certeza que irá gostar.
— Puxa... Logo hoje?! Eu estou indo a casa da Jaque para pegar uns livros que ela ficou de emprestar-me.
— Shhh... Vai demorar?!
— Acho que sim. Traga o filme outro dia. Assistiremos comendo pipoca doce.
— Se quiser, posso buscar você. Já está tarde. Não se preocupe, a Jaque disse que me deixará em casa.
— Não precisa dar trabalho a Jaque, sabe para mim será um prazer buscar a minha priminha predileta.
— Melhor não, Jaque quer conversar sobre o Luciano. Acho que o relacionamento deles está um pouco estremessido. Sabe como é, colocaremos a conversa em dia.
— Mas...
— Beijo, preciso sair do metrô.

Apanhou o livro na bolsa. Abriu em uma página a esmo e leu a última mensagem. "O sábio detesta aqueles que proclamam os defeitos e as faltas dos outros. Detesta também os homens de baixa categoria que denigrem aqueles que são de uma condição mais elevada. Detesta ainda os homens empreendedores que violam as leis e os homens audaciosos que têm inteligência estreita". — Hmmm... Lembrarei-me disso.

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